Hey! Olha se não é o aleijado chegando.
Com passos de quem nunca chega, se aproximou, cuspiu um bom dia vazio entre as pessoas que sentavam tomando café. Tomou nas mãos o seu maior companheiro, um pano de prato sujo e rasgado, pois se a enxugar a louça da pia. Olhava pela fresta entre a cozinha e o salão. Pessoas quietas, pessoas falantes, pessoas de expressão alegre, pessoas de expressão tristes.
A cura para uma nova rejeição, a de um aleijado, seria lavar os pratos imundos de quem não tem defeitos.
Com sorriso estampado na cara se aproximava, eis aqui mais uma obra de arte, entregava o prato do dia, hambúrguer de boi com batata frita - ‘Saia daqui seu imprestável’ – contentava-se com um agradecimento esnobe.
Hey! Olha se não é o aleijado fugindo.
Passava despercebido pela porta – ‘se alguma alma ousasse me esperar por estas paredes. ’ – Deitava quieto, silencioso, no sofá fedido do único cômodo que chamava de casa. La se foi mais um dia, entupido de cachaça! Pobre moribundo. Acende o teu cigarro e antes de morrer vá deitar.
Hey! Olha se não é o aleijado. Qual aleijado?
Quanta desgraça. Quando foi que foi feliz?
Jura que tem alguma recordação alegre, do tempo em que pensava: ‘Se eu morrer hoje morrerei em paz, já fiz muita coisa. ’ – Infelizmente o maldito aleijado demorou uma eternidade para morrer.
As lembranças já não cabiam na cabeça fraca, os pés não acompanhavam a falta de vontade, o cheiro era de pele velha. As roupas rasgadas e as rugas de quem já morreram contornavam um semblante depressivo.
Não faltou vontade, se enforcou o velho no meio do cômodo úmido, ficou por dias estendido aos ratos e baratas que lhe serviam de companhia.
E qual a moral da historia?
...